Comparto con ustedes una entrevista, en portugués, realizada via e-mail con IHU On-Line (Revista del Instituto Humanitas Unisimos).
O feminismo e a luta comum contra as múltiplas opressões
Para Diana Maffía, “nenhum movimento emancipatório poderá ser assim considerado se não incluir a luta antipatriarcal entre seus objetivos”
Por: Graziela Wolfart | Tradução: Graziela Wolfart
“As mulheres, por sua mera condição de mulheres, ficarão subalternizadas por um homem hegemônico. Mas esse homem é também rico, branco, educado, capaz, adulto e muitas outras condições que compõem um paradigma ‘androcêntrico’ (centrado na percepção e interesses de um homem poderoso) e não só sexista (…). É importante a consciência contemporânea do feminismo e de muitos movimentos emancipatórios sobre a necessidade de trabalhar em comum contra as múltiplas opressões”. A argumentação é da pesquisadora argentina Diana Maffía, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ela acredita que “o feminismo latino-americano está cada vez mais comprometido e mais consciente de suas lutas plurais. É muito importante que não nos fechemos a estes debates, porque não podemos falar apenas e simplesmente ‘uma mulher’. Somos o que algumas feministas chamam ‘mulheres com sobrenome’, ou seja, mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres pobres, mulheres lésbicas…”.
Diana Maffía é doutora em Filosofia pela Universidad de Buenos Aires – UBA, pesquisadora do Instituto Interdisciplinar de Estudos de Gênero da Universidad de Buenos Aires e diretora do Observatório de Gênero na Justiça, do Conselho da Magistratura da mesma cidade. Sua página pessoal é http://dianamaffia.com.ar/.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como são geradas as identificações e aspirações humanas com base na dicotomia do feminino/masculino, subjetivo/objetivo e emocional/racional?
Diana Maffía – O pensamento dicotômico é próprio da modernidade, quando se interpretam como condições antagônicas características próprias do ser humano. Segundo esta interpretação, o par de conceitos opostos esgota o universo do discurso (apagando a diversidade). E, além disso, funciona de maneira excludente (uma característica se sobrepõe à custa da outra). Esta interpretação organiza os espaços “público” e “privado” da sociedade, gerando uma vinculação entre o espaço público, a objetividade e a racionalidade, junto ao trabalho produtivo, em uma institucionalidade que é o Estado, por um lado. Por outro lado, há uma vinculação entre o espaço privado, a subjetividade e a emotividade, junto ao trabalho reprodutivo, cuja institucionalidade é a família.
IHU On-Line – Em que sentido a dicotomia entre masculinidade e feminilidade são opostas e hierarquizadas?
Diana Maffía – Ao se interpretar dicotomicamente as sexualidades, o masculino e o feminino aparecem como antagônicos. Mas, além disso, toda diferença se interpreta em termos valorativos como “superior” e “inferior”. Assim, todos os aspectos do público se interpretam (até para algumas vertentes do feminismo) não somente como opostos, mas também como superiores ao “privado”. Quando se identifica o masculino com o público e o feminino com o privado, isso reforça a hierarquia entre homens e mulheres e dá um suporte de racionalidade para o Direito, a ciência e a política. Estas instituições não admitirão mulheres, mas racionalizarão dizendo que, para participar nelas, se requer capacidade de racionalização, abstração e universalidade, o que as mulheres não possuem. É bom dizer que muitos homens também ficarão de fora com esse mesmo argumento (indígenas e afrodescendentes, por exemplo).
IHU On-Line – O que torna as mulheres como seres subalternos por sua condição? E o que as difere e aproxima dos outros seres subalternos?
Diana Maffía – As mulheres, por sua mera condição de mulher, ficarão subalternizadas por um homem hegemônico. Mas esse homem é também rico, branco, educado, capaz, adulto e muitas outras condições que compõem um paradigma “androcêntrico” (centrado na percepção e interesses de um homem poderoso) e não só sexista. É importante a consciência contemporânea do feminismo e de muitos movimentos emancipatórios sobre a necessidade de trabalhar em comum contra as múltiplas opressões. Não podemos (sobretudo na América Latina) desenvolver um feminismo emancipatório que não pense em questões de classe, etnia, cor e idade, por exemplo. Ao mesmo tempo, nenhum movimento emancipatório poderá ser assim considerado se não incluir a luta antipatriarcal entre seus objetivos.
IHU On-Line – Como a senhora percebe o desenvolvimento do feminismo na América Latina nas últimas décadas?
Diana Maffía – Creio que há um grande avanço da autoconsciência e do fortalecimento de nossa percepção como latino-americanas, com nossas próprias identidades e necessidades. O feminismo latino-americano está cada vez mais comprometido e mais consciente de suas lutas plurais. É muito importante que não nos fechemos a estes debates, porque não podemos falar apenas e simplesmente “uma mulher”. Somos o que algumas feministas chamam “mulheres com sobrenome”, ou seja, mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres pobres, mulheres lésbicas, e um longo etecetera de subordinações múltiplas.
IHU On-Line – Como as mulheres contemporâneas relacionam a questão de gênero com sua subjetividade e a produção de conhecimento?
Diana Maffía – A epistemologia feminista, desde as últimas três décadas, tem desenvolvido o papel da subjetividade na produção de conhecimento. Não só de conhecimento cotidiano, como também nos padrões mais exigentes da produção científica. A subjetividade das mulheres e a dos homens tem diferenças, e quando se condicionam as características de valoração do conhecimento ao produzido por um grupo limitado de sujeitos, o resultado é excludente para quem não participou da sua construção. Ver a subjetividade não como algo antagônico, mas complementar da objetividade, como um modo de relação entre o sujeito e a construção coletiva da objetividade, permite também abrir outras possibilidades na reflexão epistemológica contemporânea.
IHU On-Line – Quais os principais desafios éticos que se colocam diante do processo criador de um ser vivo, tanto para a equipe médica quanto para os sujeitos envolvidos nos procedimentos?
Diana Maffía – Os problemas contemporâneos da bioética estão sempre vinculados à origem e ao fim da vida humana, e ao sentido social que estes momentos transcendentais adquirem em cada cultura. O debate deve pontuar as diferenças entre “ser vivo”, “ser humano” e “pessoa humana”. Identificar estes três conceitos implica em um pedido de princípio sobre o resultado do debate. Não se pode dizer que “a vida começa com a concepção, com a união de um óvulo com um espermatozoide”, e logo deslizar para o argumento da afirmação de que “o embrião é uma pessoa”.
Nos debates que incluem embriões (aborto, reprodução assistida, congelamento de gametas ou embriões, manipulação genética) é permanente este deslizamento. E também é enganoso restringir o debate ao embrião, quando muitas vezes está em jogo o corpo e a subjetividade das mulheres, inclusive o que se chama “vontade procriacional” dos/as progenitores.
Outro esclarecimento, que deveria se tornar desnecessário se pensarmos em equipes médicas ou comitês de bioética e que acaba relevante pela realidade política de nossos países (Brasil e Argentina), é que os argumentos religiosos têm o limite de sua freguesia, ou seja, só são determinantes para os/as crentes praticantes dessas religiões. De modo que devem ser respeitados, mas de nenhum modo impostos a toda população em países laicos. De outro modo nos converteremos em estados talibãs.
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